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Sobre a responsabilidade dos administradores

 

Valor Econômico - 01/04/2014

Por Marcello Klug e Marcelo Andrade

A repercussão do episódio de compra da refinaria de Pasadena pela petrolífera brasileira ressuscita o debate a respeito do papel dos membros do conselho de administração na tomada de decisões das companhias abertas, e especialmente de sua correspondente responsabilidade por danos e prejuízos causados no exercício da função.

O fato de a operação questionada envolver empresa de economia mista acirra o debate, já que a operação da Petrobras é financiada direta e indiretamente pela economia popular. Vale dizer: a má gestão da empresa gera prejuízo não apenas ao governo federal, atingindo os brasileiros como um todo, mas também ao cidadão que perde com a queda do valor de mercado e dividendos de suas ações, menor rendimento de fundos de investimentos, perda do valor investido pelo trabalhador que aportou seu FGTS no governo Lula e, até mesmo, com a menor solidez dos planos de previdência privada.

A responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas está prevista com clareza na legislação que trata do tipo societário da Petrobras, possibilitando a punição dos agentes em três esferas distintas, conforme grau de reprovabilidade da conduta: a administrativa, a cível e a criminal. A primeira, de caráter disciplinar, tem sua aplicação limitada no âmbito das companhias abertas, competindo sua regulamentação, fiscalização e julgamento à CVM, xerife do mercado de capitais brasileiro. A segunda, de natureza pecuniária, persegue a reparação pessoal dos danos causados. Por fim, tem-se a responsabilidade criminal dos administradores, de aplicação mais restrita, quando configurada a prática dolosa de condutas típicas previstas na legislação.

O erro está em usar a Petrobras para tomar decisões políticas assumindo riscos desconhecidos

Nesse âmbito, em que pese possíveis declarações em sentido contrário dos envolvidos, são considerados administradores não apenas os diretores da Petrobras, mas também os membros do conselho de administração, órgão deliberativo por força de lei e que se situa entre a diretoria e os acionistas das companhias abertas.

A todos os administradores são impostos "standards" de conduta que compreendem o dever de diligência, conceito ligado ao do bonus pater familias, segundo o qual o administrador deve cuidar e gerir os negócios sociais como se seus fossem.

Os ônus do administrador devem ser interpretados de forma abrangente, respeitando-se o princípio da responsabilização subjetiva (identificação da culpa ou dolo do agente), mas sendo indiferente tratar-se de administrador nomeado por investidores privados ou pelo Estado, na qualidade de acionista controlador. O conselho de administração não é órgão para se fazer política, conflitando os interesses do governo com os da empresa, mas colegiado do qual devem emanar decisões técnicas e/ou estratégicas das quais dependem todos os stakeholders da companhia.

Nesse cenário, não encontram respaldo legal eventuais alegações quanto ao desconhecimento dos detalhes da operação de compra, nem quanto à insignificância de um negócio cujo dano pode superar o bilhão. Sem efeito, também, é procurar colocar possível falta em assessores legais ou financeiros consultados à escolha dos próprios administradores, sob pena de poder restar configurada culpa in eligendo (na escolha) ou culpa in vigilando (na fiscalização do trabalho) dos administradores.

E mais: não podem os administradores de companhia aberta se esconder atrás de uma decisão colegiada, apenas por ser esta unânime. O objetivo do conselho de administração não é o consenso, sendo as deliberações tomadas por maioria e competindo aos discordantes consignar voto divergente justificado de modo a eximir-se de eventuais responsabilidades.

No mais das vezes o discurso de políticos sem experiência na administração corporativa, e de administradores sem experiência na política, é tão desprovido de embasamento legal quanto são desprovidas de fundamento técnico suas decisões. Preocupa, e deve ser reprimida, a falta de envolvimento, compromisso e aprofundamento no exercício dos cargos para que são eleitos por conta da posição que ocupam no governo, e que usualmente lhes asseguram vultosos jetons a somar-se aos respectivos salários.

A situação nos leva a questionar, nesta ordem, a atual politização em detrimento de profissionalização; a sobreposição do interesse partidário em prejuízo dos interesses corporativos; a derrota da regra para o regrador.

As investigações atualmente em curso perante o TCU, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal devem apurar os fatos de tal maneira que se possa concluir se o alegado "péssimo negócio" foi fruto do acaso, decorrente de fatores imprevisíveis e inevitáveis, ou se uma atuação mais diligente por parte dos administradores lhes teria possibilitado identificar e avaliar os riscos assumidos. O erro, se existente, não reside necessariamente nas cláusulas de put ou de ganho mínimo, comuns em algumas operações societárias. Antes, está em usar da Petrobras para tomar decisões políticas assumindo riscos desconhecidos.

A tendência, em pouco tempo, é que o caso ganhe novos personagens. Se, à época, a atual presidente Dilma era a presidente do conselho de administração da Petrobras, a criação de uma CPI pode trazer importantes revelações. A CVM, ainda silente, deve exercer sua legitimidade para investigar o cumprimento dos deveres fiduciários dos administradores. Os acionistas minoritários e investidores devem se mobilizar para questionar na próxima Assembleia Geral Ordinária, e em juízo, eventuais perdas que tenham experimentado em virtude da malfadada negociação. O caso reúne todos os elementos para atrair o interesse público e demandar solução jurídica compatível, isenta de elementos subjetivos de natureza política.

Fato é que o caminho das investigações terá efeito emblemático e impactará -de forma positiva ou negativa - na evolução do mercado de capitais brasileiro. De lado o fator político, a legalidade aponta o caminho com clareza: o da moralidade na administração do patrimônio público.

Marcello Klug Vieira e Marcelo Henrique Lapolla Aguiar Andrade são respectivamente sócio e advogado sênior do escritório Salusse Marangoni Advogados

 

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