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notícias ANÁLISE: “Tag along” no Brasil, um assunto sem fronteiras


ANÁLISE: “Tag along” no Brasil, um assunto sem fronteiras

 

É fato que a fama do nosso dispositivo legal anda longe de ser a melhor. Os minoritários de companhias brasileiras, portanto, estão distantes de estarem satisfeitos com o ambiente nacional nessa questão.

Apesar de constar da Lei das Sociedades por Ações desde a reforma de 2001, o artigo 254-A que garante aos acionistas minoritários a divisão do prêmio de controle com os donos da empresa em caso de venda do negócio está em desuso.

A interpretação restritiva do artigo - que, também é verdade, tem uma redação ruim – num mundo de transações cada vez mais complexas abre margem para que praticamente mais nenhum negócio se encaixe no texto exato da legislação.

A lei no Brasil fala em alienação do controle. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem, historicamente, em suas mais diversas composições de colegiado, interpretando que só se encaixam nesta exigência as operações em que há um vendedor do controle e um comprador. Vendedor e comprador podem até ser um grupo. Mas tudo precisa estar muito claro.

Só que neste universo de conceitos cada vez mais abstratos, os investidores não conseguem mais saber a que têm direito quando fazem um investimento. “O tag along existe para que uma ação seja equivalente a uma fração ideal de uma companhia. Mas isso não vem acontecendo”, enfatiza Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), quando o tema é “tag along”.

Ficam de fora da interpretação do nosso regulador — ou, no melhor cenário, geram muita polêmica e, portanto, muita insegurança — as transações que envolvem situações de controle compartilhado, movimentações dentro de bloco de acionistas, incorporações que resultam em troca de dono, vendas que não são de controle mas resultam nele, e compras que não são de controle mas resultam na sua venda. E essa é uma lista sintética do que é possível no atual mundo de companhias que valem centenas de bilhões.

Será cada vez mais difícil, inclusive aqui no Brasil, que um único investidor ou uma única companhia movimentem sozinhos o controle de uma empresa. As transações incluirão cada vez mais participantes — entidades e/ou investidores.

A movimentação da Telefónica no bloco majoritário da Telecom Italia inaugura a mais nova temporada de (re)discussão sobre “tag along”. O grupo espanhol elevará sua participação de 46% para 66% na holding italiana Telco. Depois, mais à frente, ampliará ainda mais sua fatia, podendo chegar a 70% nesse veículo.

As dúvidas não são poucas. E o fato de se tratar de uma transação internacional que afeta indiretamente uma companhia brasileira regulada só traz dúvidas extras. São muitas opiniões a serem consideradas: o regulador nacional do setor, a Anatel, o regulador de mercado da Itália, o Consob, e a CVM.

Outro caso que está no ar é o da companhia de energia do empresário Eike Batista, ex-MPX, agora Eneva — desde a chegada da alemã E.On ao bloco de controle. Para investidores, caso Eike venda sua participação minoritária para quem quer que seja, ficará evidente a necessidade de oferta aos minoritários.

Já houve mais de um caso em que, em blocos de controle compartilhado, o vendedor não alienou uma fatia que era o controle, mas o comprador acabou por adquiri-lo. Apesar da evidente mudança estratégica que a companhia-alvo pode sofrer, consolidou-se que essas transações não disparam “tag along”.

Seria como na primeira transação em que Votorantim Celulose e Papel (VCP) pretendia comprar a Aracruz, cujo controle era compartilhado com família Lorentzen (28% das ordinárias) e Safra (28% das ordinárias). Como a própria VCP já tinha 28% das ordinárias da Aracruz, a compra só dos Lorentzen não dispararia o direito de “tag along” aos minoritários — a família venderia 28%, que não era um percentual majoritário, mas o grupo Votorantim se tornaria o controlador. Como no final VCP adquiriu Lorentzen e Safra, que somavam 56% do capital votante da Aracruz, o “tag along” acabou sendo pago aos sortudos minoritários da companhia quebrada.

A situação da ex-MPX seria a primeira em que o controlador, Eike, venderia o controle, sem que ninguém o tivesse adquirido.

O caso da Eneva, ou MPX, traz um sinal amarelo extra à questão, em especial para o Brasil, onde a interpretação desse direito é quase hermética.

O domínio do padrão internacional de contabilidade, o IFRS, trouxe a possibilidade de que uma companhia, quando controlada por diversas empresas ou investidores, não seja consolidada em nenhum dos grupos do bloco de comando.

Não é segredo para ninguém que E.On não quer consolidar a Eneva. Deve ser cada vez mais comum investimentos considerados “de referência”, como é usual fora do Brasil, em que um acionista é tido como líder, o que dá o norte a uma empresa. Novas ‘E.Ons’ e ‘MPXs’ podem ser esperadas por aí.

O acionista de referência pode ser o líder de um grupo ou atuar isoladamente. Para isso, porém, não há necessidade de ser o sócio majoritário. Economicamente, é um modelo que faz sentido num mundo de centenas de bilhões. Do ponto de vista da governança, também é bem recebido. Não haveria o risco da expropriação do minoritário por um controlador, mas estaria garantida a presença de um investidor de longo prazo — uma espécie de “olho do dono”.

No Brasil, há uma questão prática: como migraremos para esse modelo sem que isso gere insegurança no mercado?

Vale comentar que o debate sobre o “tag along” é quase tão antigo por aqui quanto seu retorno à legislação, em 2001 — foi retirado para as privatizações. As incertezas são recorrentes neste assunto. Antes desses dois debates recentes, o caso da entrada da Techint no bloco da Usiminas também foi discutido. Anos atrás, houve Copesul.

A própria TIM já foi o mote dessa questão no passado. Foi o tema de uma das mais polêmicas e criticadas decisões da CVM sobre o tema — por conta do ingresso da Telefónica na Telco. Além de atrasada, dois anos depois do fato, a decisão revisada pelo colegiado da CVM não teve homogeneidade. Por si só, este é um sintoma do quão ampla é a questão.

Para os especialistas ouvidos pelo Valor, nesta e em diversas outras ocasiões, trata-se muito mais da interpretação que o regulador dá ao tema do que da redação da lei — apesar de todos admitirem que o texto da legislação também é problemático. A percepção geral é que as distorções potenciais poderiam ser corrigidas com interpretações da CVM.

 

 

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