Transparência e Governança

 
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size
notícias ITR FATOR DE VOLATILIDADE NORMAL OU NORMOSE?


ITR FATOR DE VOLATILIDADE NORMAL OU NORMOSE?

 

ENFOQUE

44 REVISTA RI Dezembro 2012 | Janeiro 2013

por LÉLIO LAURETTI

“Ensinando, aprendemos!” - aprendi um novo termo com uma de minhas alunas num curso para Conselheiros de Administração do IBGC: “normose”, utilizado em psicologia comportamental para indicar hábitos e costumes considerados “normais” pelas pessoas mas que, na realidade, são contrários ou prejudiciais às melhores práticas. Indo além do campo da psicologia, poderíamos citar alguns exemplos de “normoses” em diferentes áreas de nossa atividade:

a) o uso do automóvel como transporte individual nas regiões urbanas se tornou “normal”. Mas não é! Considere-se o fato de que 3 automóveis ocupam o mesmo espaço do que um ônibus comum. Este transporta 50, 60 ou mais passageiros; aqueles, “normalmente”, 3 pessoas ou, às vezes, pouco mais do que isso. Um carro médio pode pesar uma tonelada; se, habitualmente, transporta uma pessoa (80 quilos, por exemplo), estará consumindo combustível para movimentar 1080 quilos, dos quais apenas 80 são “transporte” efetivo. Além disso, os enormes congestionamentos que provoca são exemplos lamentáveis de desperdício de tempo e de combustível. Por fim, a necessidade de extensas áreas de estacionamento nos locais de trabalho, de reunião ou de venda, acaba por impactar o preço dos terrenos urbanos, o que representa um investimento de baixa eficiência em termos econômicos.

b) segundo pesquisa recente, 26% dos executivos entrevistados declararam que mantêm seus “smartphones” ligados 24 horas por dia e que consideram isso “normal”.

c) existe a crença, no Brasil, de que processos contra políticos “normalmente” acabam em pizza! Será que, depois do mensalão, vamos viver novos tempos? O que vai ser normal: a pizza ou a condenação? Veja o que, ao votar, declarou a ministra Carmen Lúcia, do STF, a respeito do argumento apresentado pela defesa, de que Delúbio Soares utilizara o “caixa 2” porque a origem do dinheiro era ilícita: “Nunca, em minha vida profissional vi alguém comparecer a um tribunal para confessar um crime e sugerir que sua prática é normal! O ilícito não pode ser normal!”

d) a maioria das notícias da mídia gira em torno do MAL (corrupção, violência, assaltos). O que está acontecendo agora em São Paulo e alguns outros estados é bem ilustrativo disso. Porém, considerando que a parcela de pessoas de bom caráter é maioria absoluta na sociedade (raros países têm uma população carcerária maior do que 1% de sua população), o normal seria um noticiário voltado para o BEM, que seria muito rico e animador, já que, sabidamente, milhões de pessoas estão profundamente empenhadas em melhorar nossa qualidade de vida. Então, o que temos é um puro caso de “normose”.

e) Achamos que a violência no mundo tem aumentado exponencialmente e o que acaba por conferir-lhe um caráter de normalidade. Na verdade, estamos confundindo aumento de violência com maior transparência: pesquisas da OMS mostram que a violência tem-se reduzido substancialmente, inclusive em São Paulo, e que a surpreendente exceção à regra é o número de suicídios, que só faz crescer: temos hoje, no mundo, dois suicídios para cada homicídio, segundo artigo de Micah Zenko (O Paradoxo de Dempsey) publicado no “Estadão” de 18/11/2012. Normal ou normose?

f) Até hoje, a Constituição do Estado de Alabama mantém a obrigação de existirem escolas separadas para brancos e para negros, embora essa disposição não seja mais respeitada. O normal seria, então, o respeito à constituição e a volta ao segregacionismo?

INFORMAÇÕES TRIMESTRAIS (ITRs)

Redirecionando o foco desta exposição, vamos comentar o que está acontecendo com as Informações Trimestrais (ITRs) nos mercados de capitais, inclusive o brasileiro. Com esse objetivo, algumas indagações podem ser colocadas:

a) é normal tomar decisões de investimento baseadas em um trimestre, quando se trata de empresas que já superaram a fase de implantação, ou de países, alguns dos quais com histórias de séculos ou até milênios? Ou seria “normose”?

b) Quais as consequências perceptíveis desse tipo de “curto-prazismo”:

 

  • Na importância dos relatórios anuais?
  • Na cotação de bolsa?
  • Na decisão de grande número de empresas de “sair do mercado”?
  • Na decisão de muitas empresas de “não entrar no mercado”?
  • Nos resultados de longo prazo das empresas cuja maior preocupação seja o “valor de mercado” (valor da ação em bolsa, muito influenciado pela ITR)?

 

 

 

 

 

VAMOS BUSCAR RESPOSTAS EM VÁRIAS FONTES DIFERENTES:

a) No livro “The shareholder value myth”, Lynn Stout registra que, entre 1997 e 2008, o total de empresas listadas nas bolsas norte-americanas caiu de 8.823 para 5.401! Boa parte delas optou pelo fechamento de capital para economizar custos! Sabemos, por outras fontes, que as “private equities” nos Estados Unidos inverteram a mão: estão hoje comprando empresas abertas, na bacia das almas, para fechar o capital e, livres das exigências de “disclosure” do mercado, dar aos ativos adquiridos o destino que julgarem mais convenientes.

b) A busca de melhoria nos resultados do “próximo trimestre” pode ser alcançada, como farta experiência tem demonstrado, mediante corte de despesas, dispensa de pessoal, redução de investimentos em “pesquisa e desenvolvimento” e até por meio de fraudes (“creative accounting”). Todos esses condutores de melhoria no lucro do trimestre repercutem negativamente nos resultados de longo prazo. Se considerarmos que essa melhoria pode ser incentivada por esquemas de remuneração variável baseados em valor de bolsa, temos aí um exemplo bem eloquente do famoso “conflito de agência” (interesses de administradores versus interesses de acionistas), acoplado a um conflito de estratégias: curto prazo versus longo prazo.

c) Os negócios do tipo HFT já representam 60% das transações em bolsa nos EUA e mais de 10% na bolsa brasileira, onde – segundo divulgou a Capital Aberto na edição de novembro – tivemos, de janeiro a outubro deste ano, 133,8 milhões de operações da espécie, contra 48,5 milhões em igual período de 2008! Gostaria de que alguém me explicasse qual o sentido econômico desse tipo de negociação.

d) Dos mais de 60 bilhões de dólares esperados este ano como investimentos diretos estrangeiros no Brasil, menos de 10% se dirigem para a infraestrutura; a esmagadora maioria está caçando resultados de curto prazo. Mau sinal!

PODEMOS, TAMBÉM, SOCORRER-NOS DE OPINIÕES DE GRANDE PESO:

a) Segundo publicou a Exame, na edição de outubro último, o diretor-geral do Fundo Soberano ADIA, de Abu Dhabi, de US$ 600 bilhões, declarou que “mudanças de estratégia não podem ocorrer, normalmente, em períodos menores do que 10 anos. Para nós, ‘curto prazo’ são 3 ou 5 anos”. O ADIA define suas prioridades no Brasil como sendo os setores de educação, bens de capital e infraestrutura, ou seja, investimentos de longo prazo.

b) A Cargill, perguntada pela mesma revista sobre as vantagens de ser uma companhia fechada, declarou que “temos mais facilidade em lidar com a volatilidade própria do mercado agrícola. Não precisamos justificar nossos resultados todos os trimestres nem explicar porque um ano ruim não coloca em risco o planejamento de longo prazo da empresa. Empresas que atuam em setores voláteis costumam ser punidas por isso pelas bolsas”.

c) Um conhecido ativista da sustentabilidade declarou à Bloomberg Business Week que “integrar a sustentabilidade no DNA das companhias não é fácil, dadas as pressões para resultados imediatos e dividendos maiores. Há um descasamento entre as metas de longo prazo da sustentabilidade e o curto-prazismo que domina nossos mercados acionários”.

d) Christopher Steiner, no livro “Automatize: como os algoritmos vieram para dirigir nosso mundo”, chega a afirmar que os algoritmos irão, em pouco tempo, substituir profissionais brilhantes e criativos. Como se já não bastassem os estragos, na mão de obra menos qualificada, causados por um falso conceito de “produtividade”, estaríamos agora ameaçados de “qualificar o desemprego”?

e) Voltando a Lynn Stout: em 1960, a rotatividade anual das ações listadas na NYSE era apenas de 12%, correspondendo a um “holding period” de 8 anos; em 1987, se elevou a 73% e, em 2010, a 300% - que corresponde a um período de manutenção de apenas 4 meses! Outro caso típico de “alta rotatividade” ...

f) Uma das mais fortes oscilações dos mercados ocidentais em 2012 foi atribuída ao fato de que o crescimento da economia chinesa no primeiro trimestre foi apenas de 8,1%, contra a “expectativa do mercado” de 8,4%!! Ora, não podemos esquecer que a história da China começa em 2.200 AC e que, portanto, tem hoje 4.200 anos, ou 16.800 trimestres. Não é possível levar um trimestre em consideração maior do que fatos como: em toda a história da civilização, a China é o país que, no mais curto prazo, tirou da pobreza o maior número de pessoas; ela processa hoje cerca de 50% de todas as exportações mundiais; suas reservas internacionais estão na ordem de US$ 3 trilhões, e assim por diante. Seguramente, não vai entrar em recessão por causa de uma pequena variação em um determinado trimestre! Se quisermos falar em empresas, vamos lembrar que a STORA ENSO - hoje presente no Brasil com o projeto Veracel, em parceria com o Grupo Votorantim – foi criada em 1.288! Nada menos do que 2.896 trimestres!

g) Na Construtora Paenge, do Paraná, uma das poucas do setor que têm apresentado resultados crescentes, seus donos ficaram fora da bolsa porque julgam seu negócio incompatível com as exigências do mercado. “O ciclo da construção é longo. Um empreendimento pode levar até 4 anos para dar resultado e não queremos ser cobrados por resultados a cada trimestre”, foi o que declararam à Revista Exame.

SÓ O RESULTADO QUE INTERESSA

Na ITR é só o resultado que interessa. Voltamos assim aos primórdios da Revolução Industrial, no Sec. XVIII, em que o único objetivo da empresa era o ganho do proprietário. A versão hodierna dessa distorção é a conhecidíssima teoria de que as empresas existem para criar valor para o acionista. O desemprego estrutural de hoje é, em grande parte, resultado dessa visão egoísta e imediatista de resultados. Será que os órgãos reguladores, ao analisar aquisições, fusões e incorporações, não deveriam sopesar mais os resultados sob a ótica da criação ou eliminação de postos de trabalho? Evitaríamos, talvez, o que está acontecendo na França, sob o governo de François Hollande: a maior siderúrgica do mundo, a ArcelorMittal, está sendo convidada a sair do país porque anunciou a decisão de desativar dois altos-fornos e demitir 629 empregados (a empresa emprega cerca de 20.000 pessoas na França). (Jornal VALOR, 27/11/12)

ITR: FATOR DE VOLATILIDADE?

O “Blog da Governança”, uma ótima leitura veiculada todos os domingos por Renato Chaves, promoveu, a meu pedido, uma pesquisa entre os seus leitores sobre se a ITR seria um fator de volatilidade dos mercados. Para minha surpresa, 40% das respostas foram SIM! Ao comentar, no jornal Valor, as conclusões de artigo publicado em 2009, no Secular Outlook, por Mohamed El- -Erian, sob o título “A new normal”, o economista-chefe do Bradesco, Prof. Octavio de Barros, defende que “aprendidas as lições da crise, o mundo deixa a euforia para trás a passa a uma era de otimismo temperado com cautela e parcimônia”. Veio bem a calhar essa figura de “um novo normal”, porque o “normal” de hoje, no estado em que se encontra a economia, não passa de “normose”.

TIRANIA DOS RESULTADOS TRIMESTRAIS

Igualmente incisivo foi o artigo publicado em Fev.2012 pelo Financial Times, de autoria de John Kay, sob o título “Os investidores devem resistir à tirania dos resultados trimestrais”, que começa pela informação de que a União Europeia já iniciou um processo lento de eliminação desse tipo de informações. Na sequência, pondera que os próprios relatórios anuais surgiram no período em que a agricultura era a principal atividade econômica e que, portanto, um ano poderia ser considerado um indicador apropriado para aquela atividade. Mas para uma longa lista de outras atividades, como construção, petróleo, educação, saúde etc., os resultados só podem ser avaliados em períodos mais longos do que um ano. Se isso é verdade para a informação anual, o que dizer da trimestral? Quanto a esta, põe em destaque também o fato de envolverem custos de preparação, auditoria e distribuição que, no seu entender, não são compensados pelos benefícios obtidos desse “exagero de informações”. Conclui o autor: “a tirania dos resultados trimestrais criou um ciclo inefi ciente de séries regulares e exageradas de números e de relações entre empresas e analistas baseadas em ‘guidance’ sobre resultados – um tipo de atividade desligado da realidade dos negócios de uma empresa e da avaliação de seu progresso. Está mais do que na hora de as companhias e os investidores encontrarem informações adequadas, normalmente voltadas ao setor, que sejam relevantes para as necessidades dos dois lados”.

Não é, decididamente, minha intenção criticar a CVM pela obrigatoriedade imposta à divulgação dos resultados trimestrais ainda que, com base em uma experiência de décadas, continuo a achar a informação semestral - que prevaleceu até 1987 - menos prejudicial. Nem acusar a Bolsa de concorrer para o curto-prazismo imperante no mercado. Não são os instrumentos em si que devem ser criticados, mas o uso que deles se está fazendo, razão pela qual entendo que o papel de cada um de nós, como investidor ou profissional do mercado de ações, é, em primeiro lugar, adotar um “novo normal” na maneira como vai analisar as informações trimestrais; em segundo lugar, declarar, alto e bom som, que esse tipo de “normose” é o que mais destoa da função econômica reservada ao mercado de capitais como alternativa ou como complemento ao mercado financeiro no provimento de recursos para o setor produtivo da economia. Nada parecido com um cassino de proporções mundiais! Ou seja, investidores e associações de classe atuantes no mercado precisam “por a boca no trombone” em protesto contra essas “normoses”!

SEGURANÇA JURÍDICA

No capítulo que escreveu para o livro “Segurança Jurídica no Brasil”, o renomado professor Ives Gandra Martins sustenta que “Vivemos, efetivamente, um momento de insegurança jurídica máxima” e que “a única forma de melhorar é gritar”. Para ilustrar bem esse ponto de vista, conta a seguinte divertida história: em um avião completamente lotado, os passageiros viram, alarmados, que o piloto e o copiloto foram conduzidos à cabine de comando por duas comissárias de bordo, porque eram cegos! Mas antes que pudessem tomar qualquer atitude, as turbinas foram acionadas e o avião iniciou a corrida para a decolagem. Quase perto do final da pista, os passageiros entraram em pânico ao ver que o avião não decolava e começaram a gritar. Neste momento, o avião subiu... Passado o susto, o piloto voltou-se para o copiloto e, sabiamente, ponderou: “no dia em que eles não gritarem, vai ser uma desgraça”.

MORAL DA HISTÓRIA

Se você perceber que há cegos no comando, comece a gritar!

NOTA: Palestra proferida por Lélio Lauretti, em 29/11/2012, no evento do 14º Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual, no auditório da BM&FBovespa em São Paulo.

 

LÉLIO LAURETTI

consultor e expert em Relatórios Anuais – foi o criador e o 1º presidente da Comissão Julgadora do Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual.

Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

48 REVISTA RI Dezembro 2012 | Janeiro 2013

ENFOQUE

 

 


Copyright © 2024 Transparência e Governança. Todos os direitos reservados.
___by: ITOO Webmarketing