Transparência e Governança

 
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size
Angela Donaggio


Angela Donaggio

1. Como as Transações com Partes Relacionadas (“TPRs”) ou outras transações sob conflito de interesses poderiam ser mais bem divulgadas aos acionistas? O caminho seria através do aumento do rigor dos órgãos reguladores ou deveria partir das companhias?

Já existem mecanismos para as TPRs serem divulgadas adequadamente aos acionistas, reguladores e público em geral por meio do Formulário de Referência. Esse instrumento instituído pela Instrução 480 da CVM estabelece que devem ser informadas (e se manter atualizadas) questões referentes a: (i) transações com partes relacionadas nos últimos exercícios sociais nos itens 16.1, 16.2, e 16.3, e (ii) conflitos de interesses nos itens 12, 12.2 e 12.4. Assim, as companhias tem a obrigação de divulgar nos referidos itens tanto as políticas existentes referentes às transações com partes relacionadas e aos conflitos de interesses, quanto um relato detalhado das operações que ocorreram no período (notadamente, aquelas envolvendo o acionista controlador).
O problema ocorre principalmente nas informações fornecidas pelas companhias nesses itens. Nesse sentido, realizamos uma pesquisa junto a uma amostra de companhias do Novo Mercado para verificar o cumprimento da regulação e a efetiva utilização do Formulário de Referência como oportunidade de incremento de transparência. O resultado decepcionou ao mostrar que: (i) uma ínfima minoria das companhias apresenta regras de identificação e administração de conflitos de interesses; (ii) apenas algumas companhias admitem não ter esse tipo de regra; e (iii) a imensa maioria simplesmente transcreve a legislação ou documentos societários (que, por sua vez, transcrevem o previsto na legislação).
Esse resultado mostra que o assunto é tratado, no mínimo, de forma opaca e com descaso aos acionistas e regulador. Estudos sobre TPRs já demonstraram seu potencial de causar prejuízo aos acionistas em geral.  Além disso, casos como os das companhias “Enron (transações com sociedades de propósito específico), Worldcom (empréstimos para executivos), Parmalat (empréstimos para empresas do controlador) e Agrenco (canalização de recursos via operações comerciais para empresas de administradores)” também evidenciaram o potencial destrutivo das TPRs.
Em relação à segunda parte da pergunta, vários estudos recentes demonstraram que o grau de desenvolvimento do mercado de capitais e o aumento da riqueza dos países está relacionado à proteção dos minoritários nas transações com partes relacionadas. Isso reforça a necessidade não apenas de uma regulação adequada, mas principalmente de uma fiscalização efetiva de seu cumprimento, não sendo tema que possa ser deixado nas mãos das companhias para ser cumprido voluntariamente por elas.
Logo, antes de se pensar em mudança legal, deve-se pensar prioritariamente em aumentar o rigor da fiscalização das informações prestadas pelas companhias – o que pode começar a ser feito sem a necessidade de mudança legal ou regulatória.

 

2. Que melhorias deveriam ser implementadas no Formulário de Referência e nas Informações prestadas em Conselho ou Assembleia quanto a essas transações?
A princípio, me parece se tratar mais de uma questão de aprimoramento da fiscalização da divulgação de informações e do rigor do regulador quanto à qualidade das informações prestadas pelas companhias do que de mudanças no Formulário de Referência, o qual parece ser adequado para a divulgação das TPRs pelas companhias.
Já temos a obrigatoriedade de divulgação de tais transações e de política de gerenciamento de conflitos por meio do Formulário de Referência. Contudo, nosso estudo mostra que as companhias simplesmente não têm prestado as informações requeridas com qualidade. Regulador e acionistas não se tornam mais informados quando a companhia simplesmente divulga que segue a legislação devida, já que isto não passa de mera obrigação para negociar seus valores no mercado acionário.
Tal comportamento generalizado das companhias não parece ter tido qualquer consequência negativa até o momento por parte do regulador (ao questionar a companhia e exigir prestação de informação de qualidade) e dos investidores institucionais (os quais poderiam exigir melhores práticas ou se desfazer dos papéis de companhias que tratam com descaso exigências regulatórias sobre um tema tão relevante).

 

3. Como avalia o uso pela CVM de termos de compromisso para endereçar questões relacionadas ao conflito de interesses, ou dever de lealdade e diligência de administradores?
É inegável o aumento da atuação da CVM no que se refere a Termos de Compromisso. A média de acordos celebrados era de cinco por ano entre 1997 a 2005 e aumentou para 60 por ano de 2005 a 2009.
Embora por um lado a celebração desse número de termos de compromisso possa ser positiva por resultar em alguns de milhões de reais para a autarquia, por outro é negativa, já que perde-se o caráter educativo-punitivo à ilicitude, uma vez que a assinatura do Termo pelo acusado suspende o procedimento administrativo instaurado para apuração das infrações, encerrando a questão sem configurar confissão ou reconhecimento de ilicitude da conduta.
Além disso, o suposto caráter educativo que poderia existir no caso da “punição pecuniária” quando de celebração de Termo de Compromisso deixa de existir quando da proliferação de Seguros D&O (Directors&Officers). De forma inusitada, o número crescente de celebração de Termos de Compromisso pode resultar, na verdade, no fomento do mercado de Seguros e não em uma mudança de comportamento dos administradores.
Acredito que, embora sejam úteis e aplicáveis em grande parte dos casos, os Termos de Compromisso não deveriam ser utilizados em casos emblemáticos e complexos. Neles, a investigação aprofundada com eventual punição tem maior potencial educativo-punitivo dos atores do mercado.


4. Como entidades auto regulamentares, tais como a ANBIMA, a AMEC e o IBGC poderiam incentivar políticas endereçando a questão de conflito de interesses?
O endereçamento da questão já foi feito. Falta agora exigir o cumprimento da regulação, da autorregulação e das melhores práticas previstas nos Códigos por parte do regulador, da BM&FBovespa, dos investidores (especialmente os fundos de investimento) e também de entidades auto regulamentares como a AMEC e o IBGC.
O IBGC, por exemplo, em seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, considera existir conflito de interesses “quando alguém não é independente em relação à matéria em discussão e pode influenciar ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da organização”.
Entre outras recomendações importantes, o Código do IBGC recomenda que: as operações com demais partes relacionadas observem políticas definidas e sejam inequivocamente benéficas à organização; o conselho deve buscar condições iguais ou melhores que as de mercado, ajustadas pelos fatores de risco envolvidos nessas operações. Ainda ressalta que o conflito deva ser imediatamente comunicado, ocorrendo o afastamento da pessoa em conflito da matéria a ser deliberada, além da inclusão no estatuto social de mecanismos para resolução de conflito de interesses.
Percebemos, assim, que não há falta de regras ou de recomendações. Há sim, falta de fiscalização de regras que as companhias devem cumprir devido à exigência legal e vinculação a contrato (no caso de listagem em níveis) por parte do regulador e da Bolsa.
Falta ainda certa conscientização por parte dos investidores institucionais em relação à importância do tema. Enquanto a companhia investida cresce e apresenta lucros, não parece haver questionamento enérgico quanto às práticas de governança adotadas e ao tratamento dado aos conflitos de interesses.
Os administradores das companhias (e seus controladores) começarão a se comportar diferentemente se os investidores de fato começarem a deixar mais claro a necessidade de boas práticas de governança, mostrando isso pelos seus atos: cada vez mais atenção à prestação de informações das companhias e cada vez mais exemplos de desinvestimento quando houver má prática.

Para ler o depoimento completo e ter acesso às referências bibliográficas, acesse aqui

 

Perfil

Pesquisadora da DIREITO GV/FGV-SP, Angela possui experiência na formalização de modelos de governança corporativa de diversas instituições. Foi Consultora-sênior da prática de Internal Audit, Regulatory & Compliance Services da KPMG Risk Advisory Services no Brasil. Atuou como Coordenadora do Audit Committee Institute da KPMG no Brasil e como Coordenadora de Projetos do IBGC, entidades nas quais elaborou trabalhos relativos à atuação dos Comitês de Auditoria e Conselhos Fiscais no Brasil e participou ativamente de comitês responsáveis por elaborar documentos-referência de governança corporativa. Mestre em Direito pela Fundação Getúlio Vargas (EDESP/FGV) e graduada em Direito pela PUC de São Paulo. Recebeu por duas vezes a Bolsa-mérito Mario Henrique Simonsen concedida pela DIREITO GV devido a excepcional desempenho acadêmico, potencial para inovação científica e contribuição efetiva para com as atividades acadêmicas da DIREITO GV (2009 e 2010). Professora do GVlaw, Co-autora do Modelo de Regimento Interno do Conselho de Administração do IBGC e do OECD Country Report - The Role of Institutional Investors in Promoting Corporate Governance in Brazil. Co-autora dos livros Direito Societário: Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório; e Empresas Familiares: Governança Corporativa, Governança Familiar e Governança Jurídica. Autora de artigos acadêmicos de governança corporativa e direito societário."

 

Política de Moderação


Copyright © 2024 Transparência e Governança. Todos os direitos reservados.
___by: ITOO Webmarketing